Longe de ser um simples tropeço de comunicação, a iniciativa evidenciou a importância de alinhar interesses comerciais às dinâmicas culturais e sociais, respeitando a identidade e a voz da comunidade local. *Por Adauto Gudin
Estação do Mêtro em São Paulo, SP, exibindo publicidade da ação.
O episódio envolvendo a proposta de revitalização do Largo da Batata, em São Paulo, fruto de uma parceria entre a PepsiCo e a Prefeitura, expõe falhas fundamentais de planejamento estratégico e execução em projetos de patrocínio de espaços públicos. Longe de ser um simples tropeço de comunicação, a iniciativa evidenciou a importância de alinhar interesses comerciais às dinâmicas culturais e sociais, respeitando a identidade e a voz da comunidade local.
A proposta previa um investimento de R$ 1,2 milhão ao longo de dois anos, incluindo melhorias como horta comunitária, parquinho infantil, mobiliário urbano, além de um letreiro com a frase “Viva a onda de SP”, claramente pensado para a promoção da marca Ruffles.
A combinação de elementos superficiais e uma narrativa publicitária deslocada gerou forte rejeição entre frequentadores, comerciantes e população em geral. A reação foi imediata e culminou na suspensão do projeto pela Prefeitura, após a mobilização pública e o envolvimento de autoridades, destacando erros graves de planejamento e execução como:
1. Desconexão com a Identidade Local
O Largo da Batata é um espaço urbano já apropriado pela população, com dinâmicas próprias que refletem a pluralidade cultural e social da cidade. Projetos de patrocínio bem-sucedidos respeitam essa identidade, oferecendo soluções que dialoguem com a comunidade e agreguem valor real ao local. A imposição de uma narrativa publicitária externa, sem qualquer conexão com a história e os frequentadores do Largo, foi um erro conceitual determinante.
2. Falta de Diálogo com Stakeholders
Projetos em espaços públicos exigem uma escuta ativa dos principais stakeholders: frequentadores, moradores e comerciantes. A ausência de consultas prévias ou de uma co-construção da proposta gerou a percepção de exploração comercial disfarçada de responsabilidade social. A resistência popular foi amplificada pela sensação de que a iniciativa ignorava os reais desejos e necessidades do espaço.
3. Comunicação e Posicionamento Equivocados
A narrativa publicitária, ao sugerir um “Largo da Batata Ruffles”, tocou em um ponto sensível: a apropriação simbólica de um espaço público. Embora formalmente não houvesse concessão de naming rights, a campanha deu margem a interpretações negativas, minando a credibilidade do projeto e da marca envolvida. Em patrocínios, o tom e a transparência da comunicação são fatores críticos de sucesso.
4. Soluções Superficiais e de Baixo Impacto
Além do desalinhamento conceitual, as intervenções propostas — como o letreiro instagramável — eram superficiais e desconexas com as necessidades reais do Largo. Projetos de patrocínio devem buscar impacto positivo duradouro, oferecendo melhorias genuínas e relevantes à infraestrutura e à experiência dos usuários.
5. Desproporção entre Investimento e Benefício
O aporte de R$ 1,2 milhão, embora significativo, foi percebido como desproporcional em relação ao retorno de visibilidade publicitária obtido pela marca. O equilíbrio entre a exposição do patrocinador e a contrapartida oferecida à comunidade é um princípio básico que deve ser respeitado em qualquer ação de patrocínio.
O sucesso de ações de patrocínio depende de sensibilidade cultural, diálogo com stakeholders e uma execução que priorize o valor gerado para a comunidade, e o caso do Largo da Batata oferece um aprendizado valioso de lições para o mercado:
1. Ouvir a Comunidade: Frequentadores e moradores são os verdadeiros protagonistas de espaços públicos. Projetos devem nascer do diálogo e da compreensão de suas demandas.
2. Respeitar a Identidade Local: Intervenções precisam agregar valor sem descaracterizar o ambiente ou impor narrativas artificiais.
3. Oferecer Melhorias Reais e Duradouras: Propostas devem ir além do impacto visual ou publicitário, focando em soluções que gerem benefícios tangíveis.
4. Comunicar com Clareza e Sensibilidade: O posicionamento deve ser transparente, alinhado ao propósito do patrocínio e livre de ambiguidades que possam ser interpretadas negativamente.
Conclusão
O caso do Largo da Batata ilustra os riscos de patrocínios mal planejados e executados em espaços públicos. Ignorar a identidade e a voz da comunidade transforma o que poderia ser uma parceria positiva em uma fonte de rejeição e desgaste para a marca patrocinadora. Projetos de patrocínio, quando bem conduzidos, têm o potencial de construir pontes entre marcas e sociedade, promovendo benefícios mútuos. Para isso, é imprescindível substituir a imposição por diálogo, a superficialidade por impacto genuíno e a busca de visibilidade pela geração de valor compartilhado.
Adauto Gudin é publicitário com 28 anos de experiência no setor de patrocínio. É idealizador, membro fundador e atual presidente da APBR - Associação Patrocínio Brasil.
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